28 de maio de 2012

Testamento
















(Xi Pan - "Spring", óleo sobre tela, 2008).

Entrego para doação todos os meus órgãos.
O meu corpo, a minha carne, eu deixo que o-homem devore.
Quem encontrar meu corpo morto, favor esvazia-lo e entrega-lo
À rua da árvore, número um.
Lá o-homem fatiará
a minha coxa farta e a minha bunda vasta
(seios e sexo serão sobremesa).
As minhas mãos sei que serão pouco nutritivas
por conta do trabalho que desempenharam: a escrita.
Mas os meus olhos serão proteína pura para o-homem
porque testemunharam muita luta e muita coragem,
além de muita dor e muito amor
(os meus olhos têm o cansaço não resignado).
Meus dentes darão um belo colar
que o-homem poderá fazer para seu novo amor,
para que ela tenha algo de mim, aprenda comigo,
o-homem também pode dar metade do meu cérebro,
ou só um quinto, se conseguir
(sei que uma vez em contato com o sabor cerebral, é impossível parar).
Meus pés, duros de tanto caminhar, o-homem jogará para o-cachorro roer.
Braços, pescoço, barriga: são para o-homem.
Joelho, calcanhar: para o-cachorro.
Língua, orelha: para o-homem.


Eu menti sobre doar todos os meus órgãos.
O coração é já de o-homem:
neste instante ele tem meu coração na boca
e o mastiga suavemente.






Um comentário:

Fernando Andrade disse...

Menina poeta
Mulher que acerta
No tom e na coragem
Da poesia e seus personagens.

Estupendo!! Senhorita
Rachel Ventura

Beijos!!