6 de agosto de 2014

Calada

Quem cala
consente?
Quem cala
sente
que não pode falar.
Calada,
sem consentir,
Eu sigo
Tentando viver
Apesar
Do absurdo
Que se vê.

Bebi do teu copo

Bebi do teu copo
E descobri meu segredo:
O meu degredo
Estava em ti.
Peguei meu medo,
Joguei na mala
E sumi.

3 de outubro de 2013

Nós

Eus vão se perdendo
No vão dos caminhos.

Eu vejo o jardim
de folhas verdes.
Não vejo meus passos,
não sei que rastros
percorro ou sigo.

Lembro dos meus olhos
e sei o caminho.
Entre bosques e alamedas
me persigo.

Eu nada diz.
Eu tudo indaga.

O eco das minhas angústias
me persegue.

Fujo.
Corro por entre as árvores.
Olho para trás
e vejo meus olhos
que nada dizem
(mas eu já nada indaga).

Corro. Morro.
Volto
para mim.
e quando me encontro
Junto os pedaços:
As folhas verdes
Do jardim.

Em mãos

Ouve
com os olhos.
Sei que os olhos têm
uma audição própria.
Espero que o som seja
o mesmo
ou se assemelhe
ao roçar da língua
no ouvido...

Veja,
é só uma questão
de ouvir de dentro.
Preste atenção
ao que te digo
e não ao som
do que digo

Eu contarei o segredo:
S E G R E D O

Quero contar
como contar
o segredo
e, assim,
desfazê-lo.
(que segredo
que se conta
deixa de sê-lo).

Pegue, tome
tenho medo
de perder
o que direi
ao dizê-lo.
Então (por isso)
vou escrevê-lo:



Tiro de Flecha

Gritou em meu peito
a liberdade.
Saltou da minha boca,
eu não ouvi.
Tiro de flecha
alcançou o espanto:
chorei,
mas parti.

9 de setembro de 2013

o estado da rosa


[Kandinsky, Composição VI]




Eu me despeço de tudo quanto vejo

No momento mesmo em que vejo

Porque ao ver, tudo desaparece.

Tudo o que é, quando vejo, deixa de ser,

Passa a ser outra coisa:

E aquilo que vi já se perdeu no meu olhar.



Eu fecho os olhos tentando guardar

A lembrança da rosa, como eu vi,

Como se o estado da rosa fosse a rosa,

Sem saber que a rosa em si não é botão nem flor.

(É semente?)



Só os cegos podem possuir a rosa

Porque só podem conhecê-la,

Porque não podem enxergá-la.

E eles a possuem, ainda que secretamente.



E quando eu te vejo, quando eu te sinto,

Dentro de mim, eu fecho os olhos,

Tento ser cega, te conhecer,

Te possuir.

E de repente eu vejo, não posso evitar.

Eu vejo e me despeço de ti.

Porque já te perdi no abismo de mim.

Eu digo adeus, todos os dias,

Eu rogo a Deus que te traga pra mim...

28 de maio de 2012

Testamento
















(Xi Pan - "Spring", óleo sobre tela, 2008).

Entrego para doação todos os meus órgãos.
O meu corpo, a minha carne, eu deixo que o-homem devore.
Quem encontrar meu corpo morto, favor esvazia-lo e entrega-lo
À rua da árvore, número um.
Lá o-homem fatiará
a minha coxa farta e a minha bunda vasta
(seios e sexo serão sobremesa).
As minhas mãos sei que serão pouco nutritivas
por conta do trabalho que desempenharam: a escrita.
Mas os meus olhos serão proteína pura para o-homem
porque testemunharam muita luta e muita coragem,
além de muita dor e muito amor
(os meus olhos têm o cansaço não resignado).
Meus dentes darão um belo colar
que o-homem poderá fazer para seu novo amor,
para que ela tenha algo de mim, aprenda comigo,
o-homem também pode dar metade do meu cérebro,
ou só um quinto, se conseguir
(sei que uma vez em contato com o sabor cerebral, é impossível parar).
Meus pés, duros de tanto caminhar, o-homem jogará para o-cachorro roer.
Braços, pescoço, barriga: são para o-homem.
Joelho, calcanhar: para o-cachorro.
Língua, orelha: para o-homem.


Eu menti sobre doar todos os meus órgãos.
O coração é já de o-homem:
neste instante ele tem meu coração na boca
e o mastiga suavemente.






27 de maio de 2012

SOUVENIR






















É tão simples o que espero,
E tão raro o que me falta,
Tão delicado, sutil e singelo
Como o assovio de uma flauta.

A delicadeza é só o que salva.
E a solidão é só o que resta:
É o souvenir de uma valsa
Que dancei nalguma festa.

Mas meu par já foi-se embora
E levou consigo a orquestra
Deixou somente esta senhora...

Que espera, quem sabe um dia,
Receber aquele gesto que a faria
Dançar sua alegria como outrora...

MARGARIDAS

















Trago dentro em mim um corpo estranho
De toda uma Era a gritar em meu ventre.
Ouço todos os sons produzidos nas entranhas
De todas as mulheres devastadas, inocentes.


Eu carrego em mim
Todos os estupros,
Todos os abortos,
Todos os silêncios,
Todos os castigos,
Toda a servidão:
Toda a dor em vão.

Há em mim
O berro de dor
Calado, mudo,
Fraco e infinito:
O grito surdo
Que vem do ventre
Da mãe do filho
Morto.

Há em mim
A lágrima única
Dos olhos já secos,
Cegos por túnicas
De uma escuridão
Sem passado,
Sem presente
E sem esperança.

Mas há em mim,
Mais do que tudo,
O poder e a bênção
De gerar, em meu ventre,
O mistério da Vida.
Há em mim a compreensão
Da amplitude de existir
E da magnitude de parir.

E tudo nasce de mim
Mesmo a morte, o fim,
Mesmo o mais íntegro,
Mesmo o mais covarde:
Todos saíram de mim.
A minha vitória,
A minha derrota,
O princípio de Tudo
Fui eu que pari.

Há em mim,
Apesar de tudo,
A entrega.
A força
Do Feminino
Está contida
No fazer das feridas
Um imenso jardim de margaridas

13 de fevereiro de 2012

sem nome
















Esqueci meu nome
num dos versos
que te escrevi.

Deixei-o
como quem deixa
um feixe
de cabelo
ou uma folha
de outono
entre as páginas
de um livro:
como recordação.

Esqueci-me
para que
tu te recordes
de mim.

Ainda que te lembres
apenas quando tiveres
o livro em tuas mãos,
sei que meu nome
cairá
das páginas
e pousará
na memória.

Eu, no entanto,
ficarei sem passado
e talvez tentarei
escrever-te mais versos,
tentando encontrar
o nome que perdi.

Eu vejo meu nome:
um desenho abstrato
nas paredes
(vidro)
do papel.
Eu tento compreendê-lo,
decodificá-lo,
mas tudo o que consigo ler
é o teu nome.

Não sei se sussurrado,
se cantado
ou mesmo berrado,
o nome traria meu passado
e calaria o presente.

Este presente,
este instante,
me devora
berrando palavras
sem sentido.
Eu tento organizá-las,
mas elas pulam
como peixes
fugidios.
E o que se torna
concreto
(o desenho)
em nada se parece
com aquele que vi
no vidro.

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Me chame
Que já não me lembro
Me chame
Que já esqueci
Me chame
Que já perdi todas as forças
Me chame
Que sem a tua boca
Me pronunciando
Não sei o que sou,
Nem o que deveria ser.
Me chame
Pra perto
Me chame:
Deserto.

Grande deserto,
em tuas dunas
o vento sopra
meu nome
que ecoa,
agora,
neste poema.

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Sem a tua voz
que chama,
o meu nome
não é mais
que um nome:
substantivo
concreto
derivado
do nada.
Origem:
devastada.